Gabriel Pozo Felguera, o autor de Lorca, el último paseo, é um dos que não crê que o corpo de Lorca esteja em um barranco à beira da estrada. Pozo dedicou vinte anos em pesquisas e entrevistas feitas a partir de seu trabalho no jornal Ideal, de Granada. Jornalista, quando Gabriel Pozo começou a trabalhar no Ideal ele começou a se questionar sobre o silêncio que estava não apenas em torno da morte de Lorca, mas também em torno da figura de Ramón Ruiz Alonso: jornalista do Ideal nas décadas de 1930 e 1940, partidário da CEDA e responsável pela detenção de Lorca, ação que desencadeou seu fuzilamento. Ao longo desses anos de pesquisa e questionamento, Pozo percebeu que não apenas não se falava no assunto da morte de Lorca, algo comum em toda a Espanha, mesmo após o fim do regime franquista, mas também não era possível encontrar nos arquivos do jornal Ideal referências a Ruiz Alonso, como conta o autor na introdução de seu livro. Foi a partir da proximidade que Gabriel Pozo desenvolveu com os antigos trabalhadores do Ideal que foi possível escrever Lorca, el ultimo paseo....
O poeta espanhol Federico García Lorca
morreu em 1936, mas até hoje não são claras as circunstâncias de sua morte, nem
onde está seu corpo. Da década de 1950 data a primeira investigação que buscou
responder algumas das inúmeras dúvidas que envolvem o fuzilamento do poeta: o
livro Miedo, olvido y fantasia relata
a profunda e instigante investigação de Agustín Penón[1]
nos anos de 1955 e 1956. Mas é apenas após a morte de Franco, em 1975, e com a
redemocratização da Espanha que começam as buscas por explicações sobre a morte
de Lorca. Em sua investigação, Penón ouviu de várias testemunhas a indicação de
um suposto lugar onde estaria o corpo de García Lorca: um barranco, a beira da
estrada que liga os vilarejos de Víznar e Alfacar.
Ian Gibson, historiador e hispanista que tem
dedicado grande parte das suas investigações ao estudo da vida e da obra de
Lorca, apostou no local onde os registros de Penón indicavam estar os restos do
poeta. Graças a esses dois investigadores grande parte dos admiradores de Lorca
acreditam que seu corpo esteja em algum ponto entre Víznar e Alfacar, e esse
caminho se tornou um local de visitas e homenagens daqueles que desejam cultuar
a memória de Federico García Lorca. Porém, há quem duvide que o corpo de Lorca
esteja no lugar sinalado por Gibson e Penón.
Gabriel Pozo Felguera, o autor de Lorca, el último paseo, é um dos que não
crê que o corpo de Lorca esteja em um barranco à beira da estrada. Pozo dedicou
vinte anos em pesquisas e entrevistas feitas a partir de seu trabalho no jornal
Ideal, de Granada. Jornalista, quando
Gabriel Pozo começou a trabalhar no Ideal
ele começou a se questionar sobre o silêncio que estava não apenas em torno da
morte de Lorca, mas também em torno da figura de Ramón Ruiz Alonso: jornalista
do Ideal nas décadas de 1930 e 1940,
partidário da CEDA e responsável pela detenção de Lorca, ação que desencadeou
seu fuzilamento. Ao longo desses anos de pesquisa e questionamento, Pozo
percebeu que não apenas não se falava no assunto da morte de Lorca, algo comum
em toda a Espanha, mesmo após o fim do regime franquista, mas também não era
possível encontrar nos arquivos do jornal Ideal
referências a Ruiz Alonso, como conta o autor na introdução de seu livro. Foi a
partir da proximidade que Gabriel Pozo desenvolveu com os antigos trabalhadores
do Ideal que foi possível escrever Lorca, el ultimo paseo.
A primeira parte do
livro, “Granada em 1936 vésperas de uma guerra civil”, apresenta ao leitor como
se apresentava a cidade de Granada, local de nascimento e morte de Lorca, no
ano de 1936. A década de 1930 foi de intensa turbulência econômica, social e
cultural em toda a Espanha e o autor inicia seu livro contextualizando o leitor
sobre as mudanças que Granada sofreu desde a proclamação da Segunda República,
em 1931, até o início da Guerra Civil Espanhola. Pozo mostra que Granada era
uma cidade atrasada em relação ao resto do país, com alto índice de
analfabetismo, desigualdade social e uma burguesia econômica e politicamente em
ascendência, o que acentuava os conflitos
trabalhistas. “Granada, como quase toda Andaluzia, era um feudo esquerdista
durante a II República” (Felguera, 2009: 36), como coloca o autor, e essa
característica política foi um agravante no momento em que Franco e a Falange
iniciam o golpe de estado e foi um dos principais motivos para o alto número de
fuzilamentos nos primeiros dias da Guerra.
Durante a Segunda
República havia cinco meios de comunicação em Granada: quatro jornais e uma
emissora de rádio. Tais meios de comunicação eram muito politizados e
inflamaram a luta, a princípio ideológica e, posteriormente, absolutamente violenta.
Em 1932, Granada vê nascer mais um jornal, o Ideal, e para fazer parte de sua equipe editorial chega de Madri Ramón
Ruiz Alonso, uma das personagens principais do livro de Pozo. Ruiz Alonso foi
quem prendeu Lorca e assim, é apontado como um dos responsáveis pelo “último
passeio” do poeta. O primeiro editorial do Ideal,
em 8 de maio de 1932, deixa claro suas intensões:
Fiéis a alguns
princípios que não negamos nem escondemos — Religião, Pátria, trabalho,
propriedade, ordem social, família... — não estamos adscritos a bandeiras políticas,
nem a personalismos encobertos, nem à defesa de interesses privados. (Felguera,
2009: 45).
A propaganda eleitoral
através dos meios de comunicação teve enorme importância pela primeira vez na
história da Espanha, e aquele que tinha apoio da mídia levava vantagem. Em
Granada, a Coalização Antirrevolucionária, a CEDA, contava com o Ideal por trás de suas atuações
propagandistas. Gabriel Pozo dedica parte desse primeiro capítulo para contar
como a Falange e a CEDA ganham espaço em Granada, como coloca Pozo, “Granada
foi — talvez por sua condição universitária — uma das cidades que melhor
acolhida deu ao nascimento do nacional sindicalismo e a Falange” (Felguera,
2009: 52).
Porém, os grupos de
direita tinham fortes diferenças e essas foram se acentuando com a disputa pelo
poder na cidade de Granada — assunto que o escritor irá detalhar na segunda parte
do livro. Assim, Pozo fecha a primeira parte de Lorca, el ultimo paseo relatando as conspirações, rebeliões e
repressões que deram início à guerra civil. E ao final da primeira parte do
livro o autor coloca como a cidade de Granada se tornou o ninho da conspiração
contra a República, local onde atuaram os principais generais que, junto com
Franco, na tentativa de derrubar o governo republicano, deram inicio à Guerra
Civil Espanhola. Gabriel Pozo demonstra de maneira contundente como se
organizou o levante em Granada e não poupa os nomes mais importantes desse
acontecimento, em especial Queipo de Llano — que além de ter sido conhecido
como um dos generais mais sanguinários da Guerra Civil Espanhola também teve um
importante papel na mobilização da sociedade por haver tomado o controle da
Rádio Sevilha — e o general de guerra José Valdés Guzmán, nomes que, como o autor
mostrará mais adiante, tiveram fundamental participação no assassinato de
Lorca. Além disso, Pozo coloca dados importantes para que o leitor tenha real
dimensão do que foram os primeiros dias de levante em Granada: a intensa
artilharia da qual dispunha a Falange, a divisão entre as direitas — Falange e
CEDA — a resistência que os militares encontraram dos civis e o uso de aviões
para bombardeios, dando inicio a um tipo de guerra muito mais genocida e até
então inimaginável.
Na segunda parte do
livro, “Uma pessoa e sua ambição”, Gabriel Pozo direciona seu trabalho para a
figura de Ramón Ruiz Alonso e os acontecimentos em torno da prisão e
assassinato do poeta. O autor conta quem foi Ruiz Alonso: sua posição na CEDA,
sua chegada a Granada e sua posição de destaque nos primeiros anos do jornal Ideal. Seus artigos no jornal expressam
sua postura e personalidade: sempre escritos na primeira pessoa, Alonso tinha
espaço de destaque semanal no jornal, momento no qual o operário católico se
posicionava com ódio contra os que não haviam se comportado bem no regime
anterior — em especial Fernando de Los Ríos, socialista, primeiro ministro nos
dois primeiros anos da Segunda República espanhola e amigo de García Lorca — e
não cessava de criticar a laicização do ensino e a imposição de filiação
sindical para trabalhar em determinados empregos artesanais.
Como muitos estudiosos,
Pozo também conta a chegada de Federico García Lorca a Granada em julho de
1936, e sua trajetória para a morte. O autor baseia seu relato nas notícias dos
jornais granadinos da época e de entrevistas que relatam a chegada de Lorca,
sua relação com a família, e o terror que tomava conta da casa dos García Lorca,
família assumidamente republicana e envolvida com a política em Granada, no
início do levante militar. Nessa mesma época a CEDA perde espaço para a Falange
que recebe consegue espaço do governo com as eleições e com o apoio da
sociedade civil.
As novas informações e
hipóteses que Gabriel Pozo levanta sobre a morte de Lorca começam a aparecer
nesse momento do livro. A primeira hipótese é sobre quem teria delatado o
esconderijo do poeta. Num primeiro momento se afirmou que uma empregada dos
Rosales (família de Falangistas que escondeu Lorca) teria delatado que na casa
de seus patrões se escondia o poeta. Porém, há muito tempo a versão aceita sobre
a prisão de Lorca é a de que quem teria dito sobre o esconderijo foi Concha, a
irmã do poeta, que o teria feito para evitar que seu pai fosse preso numa das
vezes que os militares foram revistar a casa dos García Lorca atrás do poeta.
Porém, Pozo fundamenta a hipótese de que o paradeiro de Lorca não foi
denunciado por sua irmã, mas por “um dos Rosales”, o irmão mais velho, Luis
Rosales.
Segundo o autor de Lorca, el ultimo paseo, a prisão de
Lorca tinha como intenção assustar o poeta para que ele dissesse onde Fernando
de Los Ríos, que estava em Madri, estava escondido. Além disso, o autor afirma
que Lorca foi uma moeda de troca entre as direitas que disputavam o poder sobre
Granada, CEDA e a Falange, e que o poeta foi alvo de um jogo de poder e de egos
que tinha, nesse momento, de um lado Ruiz Alonso e Valdés e do outro os
Rosales.
Pozo levanta outras
questões que margeiam a morte de Lorca: se o poeta teria sido morto no dia 18
de agosto — como parte dos pesquisadores afirmam baseados em relatos de amigos
e parentes de outros fuzilados com Lorca — ou se o fuzilamento teria acontecido
no dia 19 de agosto — como afirmava a empregada dos García Lorca, Angelina
Cordobilla, que levou comida e cigarros para Lorca quando este esteve preso. Outro
dado incerto é sobre de quem partiu a ordem de fuzilamento de Lorca. Segundo
Pozo, o comandante Valdés teria assinado a ordem, porém, ele teria consultado
Queipo de Llano sobre a execução de Lorca, afinal, as comunicações via rádio
eram frequentes, e essa possibilidade colocaria o nome deste também como
responsável pelo assassinato de Lorca. O assassinato do poeta causou problemas
para Franco, pois se tratava de um autor de fama internacional já naquela
época. Assim, Pozo afirma que para se livrar da responsabilidade pela morte de
Lorca, os militares desenterraram seu corpo e o transferiram para uma fossa,
ocultando assim as provas do assassinato. Segundo a versão dos militares, nos
anos 50, Lorca foi desenterrado e transferido para as fossas comuns, sendo
deixado com milhares de fuzilados.
A Lorca foi dirigida
balas de muitas pessoas e talvez de muitas instituições de Granada do ano de
1936: uma Granada muito tensa e muito rancorosa, muito propícia para uma Guerra
Civil. Pessoas que não aceitavam sua modernidade na maneira de escrever, de se
vestir, suas amizades, mas também aquelas pessoas que tinham algo contra sua
família, que tinham invejas, que tinham ódio contra seu cunhado que foi
prefeito de Granada. Tudo isso se juntou e, unidos à inimizade que havia
naquele momento entre os dois setores que brigavam pelo controle, que desejavam
fazer-se protagonistas da prefeitura de Granada, em meio a tudo isso e a uma
violenta luta pelo poder foi que caiu Federico. Vadés e Ruiz Alonso queriam
diminuir o prestigio da Falange, e mais especificamente o prestígio dos
Rosales, e para Gabriel Pozo foi isso o que acabou com Federico. O autor coloca
ainda que o excesso de zelo, de amizade dos Rosales por Federico aumentou ainda
mais o risco, pois encorajou os da CEDA a deterem e fuzilarem o poeta.
Como quem sague a ordem
cronológica, Gabriel Pozo coloca o que aconteceu com Ruiz Alonso durante o
franquismo: um político e jornalista esquecido pelo regime ditatorial que
vigorou por quarenta anos na Espanha. Ruiz Alonso morreu nos Estados Unidos e
contou sua versão da história para sua filha mais velha, a atriz Emma Penella,
pouco antes de morrer. O autor finaliza o livro falando dos outros
protagonistas do assassinato, Valdés e Queipo de Llano, e cita as hipóteses dos
pesquisadores mais importantes de Lorca — Agustín Penón e Ian Gibson — que ao
longo de tantas décadas buscaram a verdade em torno do assassinato do poeta,
terminando a segunda parte do livro contando o que aconteceu com os García
Lorca após a morte do seu membro mais famoso.
Nos apêndices do livro,
Gabriel Pozo traz à tona a entrevista com a filha de Ruiz Alonso. As revelações
feitas por Emma Penella se referem ao que seu pais lhe disse antes de morrer e
foram abertas ao autor do livro com a condição de que não fossem publicadas
antes da morte da atriz. Em seu relato, Emma se preocupou em deixar claro que
não foi seu pai quem matou Lorca, apenas quem o deteve e quem iniciou o
processo. Foi Emma quem assegurou que o irmão mais velho dos Rosales informou
seu pai que Lorca estava escondido na casa dos Rosales, pois, segundo ela, Luis
Rosales estava farto de ter em casa um “rojo”. Foram as revelações de Emma,
somadas às revelações feitas pelos antigos trabalhadores do jornal Ideal, que deram material para que
Gabriel Pozo não apenas escrevesse seu livro, mas que se tornasse uma
importante referência atual.
Pozo finaliza seu livro
com a entrevista feita com a sobrinha-neta de Lorca, Laura García Lorca. Laura,
herdeira dos direitos da obra de Lorca, junto com sua família, é contra a busca
pelo corpo do tio-avô e em sua entrevista agradece pelos novos fatos, pois eles
eximem de culpa sua tia-avó Concha, até então apontada como quem teria delatado
o paradeiro de Federico.
O livro teria sido
apenas mais um estudo cheio de hipóteses sobre a morte de Lorca se não fosse
por um detalhe: dois meses após sua publicação de Lorca, el ultimo paseo finalmente foram feitas escavações no local
onde Gibson, Penón e outros acreditavam estar o corpo de Lorca. Nada foi
encontrado. Assim, o livro de Gabriel Pozo se tornou quase que instantaneamente
um novo farol para aqueles que buscam por esperanças de encontrar alguma
verdade sobre a morte de Lorca. Esperanças. Por hora apenas isso é possível encontrar.
Referências bibliográficas:
FELGUERA, Gabriel Pozo– Lorca, el último paseo. Granada, Ed.
Ultramarina, 2009.
GIBSON, Ian - El
hombre que detuvo a García Lorca. Madrid, Aguilar, 2007.
HUGH, Thomas –
La Guerra Civil Española. Barcelona,
Ed. Debolsillo, 2004.
OSORIO, Marta (Ed.) – Miedo, olvido y fantasía – Crónica de la investigación de Agustín Penón
sobre Federico García Lorca. Ed. Comares, Granada, 2009.
[1]
Agustín Penón era espanhol e se mudou com a família quando começou a Guerra
Civil Espanhola. Nos anos de 1955 e 1956 Penón volta à Espanha na busca de
explicações para o fuzilamento de García Lorca. Suas descobertas e anotações
serão publicadas apenas após sua morte no livro Miedo, olvido y fantasia.