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19 de setembro de 2012

Nenhum juiz quer abrir a fossa de García Lorca... e nenhuma outra

Nenhum juiz quer se encargar das fossas. Ainda mais se ela puder alojar os restos mortais do poeta Federico García Lorca.
O tribunal de instrução de número três de Granada anunciou ontem (18/09/2012) um auto no qual arquiva as diligências iniciadas sobre a abertura da fossa de Alfacar, onde acredita-se que pode jazer Lorca. Recusa investigar "o provável delito de múltiplas detenções ilegais de pessoas cujo paradeiro até agora não se tem notícia", porque considera que o crime prescreveu e recusa também abrir a fossa, pois assegura que são as administrações públicas, e não a justiça, quem deve fazê-lo. A resolução no é final e cabe recurso.
A juíza Aurora María Fernández García já devolveu em julho de 2009 ao tribunal de instruções número cindo da Audiência Nacional parte da causa remetida pelo juiz Baltasar Garzón, na qual redigiu uma causa aberta contra o franquismo, e a favor dos julgamentos territoriais, nos quais se encontrava as fossas comuns, neste caso, a fossa de Lorca. Naquele momento, a juíza argumentou que se tratava de "crimes de lesa humanidade", e que por tanto não era assunto de sua competência, mas da Audiência Nacional.

Essa devolução e outra feita, por motivos idênticos, pelo tribunal do El Escorial, que recebeu a parte da causa correspondente ao Valle de los Caídos  onde várias famílias de republicanos enterrados ali haviam pedido para exumar os restos mortais  provocaram uma competição que deveria ser resolvida pelo Supremo Tribunal. O alto tribunal demorou quase três anos em fazê-lo. O fez finalmente em março deste ano, depois de ter colocado no banco dos réus o juiz Baltasar Garzón, acusado de prevaricação justamente por ter se declarado competente para investigar os crimes do franquismo, e ao que finalmente foi absolvido.

A juíza Fernández baseia agora sua decisão na sentença do Supremo, centrado na concorrência sobre as fossas, de março passado. Nessa resolução do Supremo foi excluída a possibilidade de ajuizamento penal dos autores desses crimes: "Esse tipo de legítimas pretensões não poderá se canalizar para o processo penal, nem chegar a se concretizar em declarações de responsabilidade por delito", alega a sentença, porque, segundo o Supremo, o delito de detenção ilegal permanente desapareceu do Código Penal em 1932, e não foi reincorporado até 1944, assim não esteve vigente durante a maior parte do tempo em que aconteceram os fuzilamentos e desaparecimentos de vítimas do franquismo. E porque, ainda que se possa dizer que os familiares dos assassinados não tiveram oportunidade de perseguir esses delitos durante a ditadura, estariam prescritos ao longo de mais de 20 anos desde a entrada em vigor da Constituição e em qualquer caso, a lei de anistia de 1977 faz parte da ordem vigente.

O supremo deu até três razões para excluir o ajuizamento penal dos crimes de franquismo. Contudo, deixava a abertura das fossas a critério dos juízes locais, como a magistrada de Granada, ao acrescentar, nessa mesma sentença que podia "requerer-se ao juiz de instrução competente a prática das diligências dirigidas a datar aquelas ações criminais e, se fosse necessário, à identificação dos afetados". Ou seja, abrir fossas e dar nome aos restos mortais encontrados.

Todo esse embrolho jurídico de causas que vão, voltam e são devolvidas se resume, de fato, em uma evidência: os juízes não querem se encargar das fossas do franquismo  como fazem os juízes argentinos com as vítimas da ditadura , e menos ainda, depois de ver o único juiz que o quis fazer, sentado no banco dos réus por isso. Desde que o Supremo ditou essa sentença, a Associação para a Recuperação da Memória Histórica apresentou denúncias nos juizados territoriais cada vez que ao abrir uma fossa se encontrou restos humanos com sinais inequívocos de morte violenta — como crânios com buracos de bala e os respectivos cartuchos — mas, nenhum juiz se aproximou da exumação para "datar" ou "identificar" esses restos, tal e como indicava o Supremo. Para o ex-magistrado desse tribunal, José Antonio Martín Pallín, esses juízes "estão prevaricando".
Assim, a única via para os familiares das vítimas, incluindo os dos banderilheiros e um professor que foram assassinados e enterrados junto com Federico García Lorca, é a administrativa. Que neste caso, a Junta de Andalucía — que gastou sem êxito em 2009, mais de 70 mil euros para procurar o poeta no parque de Alfacar (Granada) — decida intervir na procura do poeta em outro lugar apresentada por Garzón: a parada de El Caracolar, a apenas 430 metros.
(Traduzido por Syntia Alves. Acesse o artigo original aqui).